Docentes desta etapa lidam com várias turmas, salas cheias e lecionam conteúdos para os quais não se formaram
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Para ensinar, seria esperado que os professores estivessem entre
os profissionais mais bem preparados da sociedade, mas indicadores
apontam que isso está longe de acontecer. Décadas de salários baixos e
relatos de condições de trabalho inadequadas afastaram da carreira a
maioria das pessoas com os melhores desempenhos enquanto estudantes. A
falta de atratividade da profissão atinge a educação brasileira como um
todo, mas provoca consequências ainda mais sérias no ensino médio, como
falta de professores especializados, o tema da quarta reportagem da série especial do iG Educação sobre o fracasso desta etapa.
Leia o restante da série:
Uma pesquisa da Fundação Lemann aponta que 30% dos estudantes que
decidem ser professores estavam no grupo dos 5% com as piores notas
quando eram alunos. “As pessoas que buscam a carreira são, em geral, de
classe baixa e ainda vêem o cargo como ascensão social, mas infelizmente
carregam pouca bagagem cultural”, comenta Elizabeth Balbachevsky,
pesquisadora participante de grupos internacionais na área de educação
para jovens e livre docente pela Universidade de São Paulo.
A falta de preparo é mais preocupante no ensino médio. A complexidade
dos conteúdos exigiria profissionais com formações específicas e
aprofundadas, mas como as escolas não encontram quantidade suficiente no
mercado, salas de aula acabam ficando vazias ou docentes de uma área
são improvisados em outras para as quais não têm formação adequada.
A primeira opção é mais comum nas redes públicas. Alan Henrique Meira
dos Santos, de 16 anos, estudante do 2º ano do ensino médio na escola
estadual Irma Annette Marlene Fernandez de Mello, zona leste de São
Paulo, afirma que a falta de aulas por ausência de professor é o maior
problema que enfrenta para aprender.
O jovem conta que, no ano passado, não teve aula nenhuma sexta-feira.
“De português, trocou o professor três vezes e teve aula no máximo
durante dois meses”, afirma, enquanto folheia o caderno na tentativa de
lembrar de todas as disciplinas que cursa. “Física, o professor vinha,
biologia, faltou só um pouco, e filosofia veio quase metade do ano.
Inglês, não teve.”
Na ausência do professor específico, as escolas tentam preencher as
aulas com o profissional que tem à disposição. Um relatório de 2009
também da Fundação Lemann mostra que menos de 40% dos professores de
física, química, artes e inglês do ensino médio são formados na
disciplina que ministram. Mesmo em língua portuguesa e matemática, esse
porcentual não passa de 70%.
Foto: Pablo Rey/Fotoarena
Sociológo, Jocimar da Silva dá aulas também de filosofia e espanhol em colégio particular de Recife
No Recife, o sociólogo Jocimar da Silva procurou trabalho como professor
de sociologia no colégio particular Curso Menezes e ganhou também as
vagas para ministrar disciplinas de filosofia e espanhol. Segundo ele,
mesmo sem ter estudado a didática de ambas, o fato de ter feito um curso
de línguas o ajuda nas aulas de espanhol, e as outras duas matérias são
relacionadas à sua formação. “Foi minha primeira experiência como
professor titular. Antes, durante a faculdade, eu tinha feito estágio em
escola pública, mas como substituto de matemática”, conta.
Jocimar assumiu todas as três séries do ensino médio e também parte
do fundamental. Com isso, passa as manhãs em sala de aula. À tarde, ele
tem um segundo emprego como assessor de um vereador. “Por sorte, só vou à
Câmara em dias de reuniões e, no restante, trabalho de casa e consigo
tempo para ver o material da escola e preparar a aula.”
Empregos múltiplos
A falta de dedicação exclusiva à educação também é mais frequente no
ensino médio do que no ensino fundamental ou infantil, segundo pesquisa
feita pelo Instituto Paulo Montenegro, braço do Ibope voltado à
educação. Segundo entrevistas realizadas com professores das 10 maiores
capitais brasileiras, enquanto 12% dos docentes em geral realizam outro
trabalho além de lecionar, no ensino médio, esse porcentual vai para
21%.
A diretora-executiva da instituição, Ana Lúcia Lima, ainda aponta o
fato de os profissionais darem aulas em muitas turmas, normalmente
superlotadas, como dificultador do trabalho docente. “Há no ensino médio
uma parcela maior de professores com melhor formação. Por outro lado, a
grade curricular prevê um grande número de disciplinas, com aulas
distribuídas ao longo da semana, fazendo com que muitos lecionem em
várias turmas, às vezes, dispersas por diferentes escolas”, diz.
Foto: Amana Salles/Fotoarena
Professor Walmir dá 31 aulas por semana:
"Infelizmente, não sobra tempo para preparar projeto de aula
diferenciado ou de recuperação para os alunos"
Quem tenta melhorar a formação encontra dificuldade
O professor de língua portuguesa da rede estadual de São Paulo,
Walmir Siqueira, dá aulas para uma quantidade de estudantes um pouco
acima da média registrada pela pesquisa: 440 em 11 turmas diferentes.
“As salas de ensino fundamental têm até 35, mas as do ensino médio,
todas, recebem mais de 40”, comenta.
Formado em 1994, ele conta que procurou a profissão com a visão que
tinha na época: “Ser mestre ainda era algo nobre”, lembra. Em 1995,
chegou a receber orientações dentro da escola em que iniciou a carreira.
“Tinha um coordenador por disciplina e reuniões semanais para discutir
projetos em conjunto”, afirma.
A formação interna foi interrompida no ano seguinte, mas o governo
formou uma parceria com universidades para que os professores fizessem
pós-graduação. “Comecei e estava adorando, mas o convênio foi
interrompido no meio, ninguém ganhou diploma nem nada”, recorda.
Empolgado com os estudos, Walmir se matriculou em um curso particular no
ano seguinte, mas diz que não concluiu o projeto por falta de tempo e
dinheiro.
O professor recebe R$ 1.600 por mês e conta que o salário baixo também o impede de se dedicar mais às dificuldades apresentadas pelos alunos.
“Para ganhar isso, dou 31 aulas semanais (o limite permitido pela
legislação paulista é de 32). Infelizmente, não sobra tempo para
preparar um projeto diferenciado, mais atraente, ou aulas de
recuperação, que são obviamente necessárias.”
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