quarta-feira, 12 de maio de 2010

O reformador do mundo

Monteiro Lobato

Américo Pisca-Pisca tinha o hábito de pôr defeito em todas as coisas. O mundo para ele estava errado e a natureza só fazia asneiras.

— Asneiras, Américo?

— Pois então?!... Aqui mesmo, neste pomar, você tem a prova disso. Ali está uma jabuticabeira enorme sustentando frutas pequeninas, e lá

adiante vejo uma colossal abóbora presa ao caule duma planta rasteira. Não era lógico que fosse justamente o contrário? Se as coisas

tivessem que ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas, passando as jabuticabas para a aboboreira e as abóboras para a jabuticabeira.

Não tenho razão?

Assim discorrendo, Américo provou que tudo estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.

— Mas o melhor – concluiu – não é pensar nisto e tirar uma soneca à sombra destas árvores, não acha?

E Pisca-Pisca, pisca-piscando que não acabava mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.

Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com o mundo novo, reformado inteirinho pelas suas mãos. Uma beleza!

De repente, no melhor da festa, plaf! Uma jabuticaba cai do galho e lhe acerta em cheio no nariz.

Américo desperta de um pulo; pisca, pisca; medita sobre o caso e reconhece, afinal, que o mundo não era tão mal feito assim.

E segue para casa refletindo:

— Que espiga!... Pois não é que se o mundo fosse arrumado por mim a primeira vítima teria sido eu?

Eu, Américo Pisca-Pisca, morto pela abóbora por mim posta no lugar da jabuticaba?

Hum! Deixemo-nos de reformas. Fique tudo como está, que está tudo muito bem. E Pisca-Pisca continuou a piscar pela vida em fora, mas já sem cisma de corrigir a natureza.

Fábulas – 16 ed

Editora Brasiliense – SP – Brasil - 1973

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